O primeiro round do processo Casa Pia terminou e não houve knock out. A luta há-de continuar num palco perto de si. Todo este processo, que focou a atenção das principais cadeias informativas do mundo no nosso país, ficou marcado por determinados elementos-chave que nos deveriam fazer reflectir sobre o estado do país e, sobretudo, da sociedade. São sete os elementos-chave, precisamente o número de arguidos neste processo. Coincidências. São eles:
1- CASA PIA: Quando Pina Manique fundou esta instituição, ele teria como grande objectivo proporcionar e trazer um futuro melhor às crianças órfãs. Mas o destino é cruel e a única coisa que trouxe a esses jovens foi um andar novo. No fundo, a Casa Pia é uma espécie de Telepizza para pedófilos. Os produtos estariam expostos num site, com o respectivo número de telefone e identificação do produto, e para quem estivesse interessado bastaria ligar e proceder à encomenda. Mais ou menos isto:
"- TeleCasaPia, boa noite. Qual vai ser o seu pedido?
- Ora boa noite. Queria encomendar dois miúdos. Um com todos os ingredientes e outro mais moreninho, mais bem passado e sem borbulhas. Ah! E pão de alho também, já agora... Para a morada do costume."
E, tal como acontece na Telepizza, também nesta situação era um senhor de casaco vermelho que levava a encomenda a casa.
2- AS DENÚNCIAS: Uma das questões que mais inquieta as pessoas é o porquê de estas denúncias demorarem tantos anos a serem efectuadas e como foi possível que estas situações se tenham prolongado por tantos anos. A resposta até é simples: as denúncias iam sendo ignoradas porque o Manuel Abrantes era provador-adjunto da Casa Pia. Ora, os miúdos queixavam-se de abusos sexuais a alguém que abusava sexualmente deles. Era algo do género:
" Zezinho (nome fictício): - Ó sôr Abrantes, sôr Abrantes! Eu queria contar-lhe um segredo...
M. Abrantes: - Ai sim? Então fala lá depressa...
Zezinho: - Ó sôr Abrantes, sôr Abrantes, o sôr Carlos Cruz abusou sexualmente de mim.
M. Abrantes: - Vou já registar a queixa. Agora cala-te lá e continua a chupar."
E era por isso que as denúncias não chegavam ao Ministério Público.
3- O PAGAMENTO: Outra das coisas que o tribunal se esqueceu de referir era se estava ou não provado o pagamento efectuado aos miúdos em troca de favores sexuais. E esta questão também é muito importante. O país precisa de saber se estes jovens andaram a fugir ao Fisco durante todos estes anos. Receber dinheiro e não o declarar às Finanças é algo gravíssimo. Assim, se uns foram acusados com base nos artigos 171º e seguintes do Código Penal, também os miúdos deveriam ser acusados com base no artigo 103º do RGIT. Se eu tenho de declarar, por hipótese, os 20€ recebidos a apitar jogos de futebol, porque é que estes miúdos não são obrigados a declarar o que recebem a "abafar palhinhas"? Tem que haver igualdade fiscal.
4- AS INCONGRUÊNCIAS: Os arguidos têm falado nas possíveis incongruências dos testemunhos e em erros nas descrições dos locais onde decorreram, eventualmente, os abusos. Cá para mim, esses erros são entendíveis e desculpáveis. Digamos que a posição em que os miúdos se encontravam nos locais não deveria facilitar muito a capacidade de observar todos os pormenores que os rodeavam. E ter um "burro velho" a abusar deles tornaria tudo pior. Além disso, se praticar sexo anal passivo fosse bom para a memória, certamente que alguém já teria reconhecido nesse acto uma possível cura para o Alzheimer.
5- A CASA DE ELVAS: Outra coisa que me intrigava: mas porquê uma casa em Elvas e não noutra cidade do país? Porquê lá? Bom, temos de entender que a Casa de Elvas está para os pedófilos como o Ramalhete estava para o Carlos da Maia e para a Maria Eduarda: podia ser apenas uma simples casa mas preferiram torná-la num antro de pecado. E sempre dá um ar de romance a este processo. A Casa de Elvas... E porquê em Elvas? Já dizia a canção: "Ó Elvas, ó Elvas/ Badajoz à vista"! Os miúdos deslocavam-se a Elvas na falsa esperança de ver Badajoz por um canudo e ir aos caramelos. Mas quando lá chegavam, só viam o canudo... Mas também ganhavam caramelos.
6- O SALVAMENTO: Para ser um verdadeiro romance, este caso precisava de alguém que fosse salvo das garras do mal. Foi o que aconteceu a Paulo Pedroso. Enrolado profundamente neste processo, o deputado teve no PS a sua tábua de salvação, que lhe poupou, muito provavelmente, a sete magníficos anos de prisão. Esta situação só serve para mostrar que quem não está filiado num dos partidos do poder terá mais probabilidades de vir a ser condenado por algo que tenha ou não feito. Por isso, meus caros, inscrevam-se no PS, no PSD ou até mesmo no CDS. O cartão de militante será uma espécie de "Cartão de libertação da cadeia", à boa maneira do Monopólio.
7- AS CONDENAÇÕES: É difícil explicar à maior parte das pessoas o porquê de alguém que acaba de ser condenado a 18 anos de prisão continuar em liberdade, com um sorriso na cara e urinando numa qualquer casa de banho pública muito perto de algum de nós. Não há explicação possível para justificar o facto de alguém ser condenado a passar tantos anos na cadeia mas ainda assim sair do tribunal pela porta da frente. Se há indícios e provas tão fortes que se leve a condenar alguém com tantos anos de prisão, então o recurso não deveria ter nunca efeito suspensivo. Penas de prisão iguais ou superiores a 10 anos de prisão nunca deveriam ser suspensas por um recurso. Neste momento ainda é possível, o que traz um maior sentimento de desconfiança em relação à Justiça por parte das pessoas.
Esperemos que o próximo round não dure tanto tempo...